segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Aos inimigos a Lei.

Do blog do Nassif:


Há uma curiosa característica da formação cultural brasileira, que nem sei se chegou a ser explorada por Sérgio Buarque de Holanda e outros intérpretes da nacionalidade. É a chamada legalidade seletiva – uma versão do conhecido “aos amigos tudo; aos inimigos, a lei”.

Tem-se um país institucionalmente macunaímico, em que pequenas e grandes malandragens, pequenas e grandes ilicitudes são aceitas no jogo, sem o menor pudor. Quando se quer apanhar algum adversário ou se manipular os dados a seu próprio favor, o agente invoca as distorções seletivamente.

Exemplo? A lista dos mais vendidos da Veja (clique aqui). A lista é uma burla, do ponto de vista da metodologia adotada. Cada editora manda sua lista de livros. Para turbinar os lançamentos que interessa, apresenta como vendidos livros em consignação – aqueles entregues às livrarias, mas não vendidos ainda. Conversava outro dia com um amigo, dono de editora, e ele me confirmava que TODAS procedem assim.

A revista aceita as distorções porque permitem, a ela própria, apontar seletivamente uma ou outra editora como incursa naquela prática, para poder chegar ao resultado que pretende Foi assim para tirar da lista um livro que atacava a Abril, ou para um diretor da Veja -- Mário Sabino – incluir o seu livro entre os mais vendidos.

Dou esta volta toda para analisar esse carnaval em torno do vazamento de informações dessas operações da Polícia Federal. É um procedimento abusivo, sim. Só que foi feito durante anos e anos com cumplicidade com a própria mídia.

O carnaval em torno da Lunus – que liquidou com a candidatura da Roseana Sarney - em torno do dinheiro dos “aloprados” – com direito até a arrumar o cenário para melhorar a fotografia. Antes disso, a capa da Veja com os grampos da operação Sudene, a prisão (com algemas) do senador Jáder Barbalho, a prisão de Paulo Maluf, de Lalau.

A única vez em que o estardalhaço virou crime foi na Satiagraha, justamente a operação que investigou o maior leque de corrupção já montado no país, que provavelmente chegou ao núcleo da corrupção institucional que, nesses anos todos, envolveu empresários, políticos, magistrados, imprensa.

Significa que aquele carnaval anterior, das prisões e algemas, era defensável, por ter como alvo Daniel Dantas? Não. Acho mesmo que, em um país sério, ao final do trabalho, Protógenes deveria receber uma condecoração pelo trabalho realizado e uma suspensão pelo carnaval na mídia. Mas tudo isso dentro do campo funcional da Polícia Federal. E sem utilizar o carnaval como álibi para abafar as investigações.

A impressão que passa não é a da preocupação em coibir abusos, mas de uma ação pesada para inibir a divulgação dos dados levantados pela Satiagraha e desmoralizar não apenas o trabalho de coleta de provas da PF, mas a ação do juiz e do Ministério Público.

E qual o estopim de toda essa investigação? Um provável crime de imprensa:

Segundo a Veja desta semana:

“Já se sabe que os espiões fizeram de tudo, inclusive grampearam ilegalmente os telefones de várias autoridades, conforme VEJA revelou há dois meses, apresentando um diálogo interceptado entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A conversa telefônica, confirmada pelas duas autoridades, foi obtida com um araponga a serviço da Abin.”

Já se sabe quem? A Veja sabe? Então por que não mostra? Aquelas generalidades contidas na capa do grampo não passariam pelo crivo de nenhuma publicação séria deste país.

Ou seja, o motivo do inquérito é a provável trama do grampo. E dessa provável trama participaram Gilmar Mendes, um senador da República e a revista Veja. Com base na mera reprodução de um diálogo, sem sequer apresentar gravações ou o papel em que foi feita a transcrição da conversa, duas corporações foram acusadas – a ABIN e a PF -, criou-se uma guerra interna terrível no serviço público.

Nenhum movimento desses paladinos da legalidade para instaurar um inquérito que seja para apurar se o grampo existiu e, não comprovando sua existência, processar os envolvidos.

Agente provocador

Agora se tem um presidente da mais alta corte batendo boca, atacando o juiz de primeira instância, em um abuso de autoridade inédito.

Além de presidente do STF, Gilmar preside o Conselho Nacional de Magistratura. Tem influência não apenas sobre o resultado final de parte dos processos mas também sobre o dia a dia da magistratura. Mais ainda, depois de conseguir 9 magistrados do seu lado, nenhum sequer ousando contestar sua atuação pública, tornou-se o Imperador do Supremo.

Quando investe contra o juiz, sua intenção óbvia é influir na decisão do juiz ou das cortes superiores. Se isso não for atropelar os procedimentos democráticos, o que seria? E esses varões de Plutarco,defensores da ordem democrática, contra o estado policial, assistem calados, ao estupro diário da Justiça.

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