terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Deus Pessoal

'É possível que já em Janeiro, nas ruas de Londres, as pessoas se deparem com cartazes no exterior dos autocarros com estes dizeres: "There's probably no God. Now stop worring and enjoy your life" (Provavelmente Deus não existe. Então, deixe de preocupar-se e desfrute a vida).

Trata-se de uma campanha publicitária a favor do ateísmo, promovida pela Associação Humanista Britânica e apoiada pelo célebre biólogo darwinista R. Dawkins, professor da Universidade de Oxford, ateu militante e, segundo muitos, fundamentalista.

A campanha foi um êxito, pois rapidamente conseguiu fundos - dezenas de milhares de euros - mais que suficientes para pô-la em marcha. Segundo a jornalista Ariane Sherine, que a tinha sugerido em Junho, "fazer uma campanha em autocarros com uma mensagem tranquilizadora sobre o ateísmo seria uma boa forma de contrabalançar as mensagens de certas organizações religiosas que ameaçam os não cristãos com o inferno".

Para Dawkins, "a religião está acostumada a ter tudo grátis - benefícios fiscais, respeito imerecido e o direito a não ser ofendida, o direito a lavar o cérebro das crianças". Assim, "esta campanha de slogans alternativos nos autocarros de Londres obrigará as pessoas a pensar. Ora, pensar é uma maldição para a religião".

Logo que apareceu o anúncio da campanha, fui confrontado por um jornalista da TSF: se a achava provocatória. Respondi que até a achava interessante. De facto, era isso mesmo: obrigaria as pessoas a pensar nas questões essenciais, e Deus é uma dessas questões decisivas.

Constatei, mais tarde, que essa foi também a posição de líderes religiosos britânicos, que responderam favoravelmente à iniciativa. Aliás, qualquer um tem o direito de promover as suas ideias através de meios apropriados. A Igreja Metodista agradeceu inclusivamente a Dawkins pelo facto de encorajar um "contínuo interesse por Deus". A rev. Jenny Ellis disse: "Esta campanha será uma boa coisa, se levar as pessoas a comprometer-se com as questões mais profundas da vida." E acrescentou: "O cristianismo é para pessoas que não têm medo de pensar sobre a vida e o sentido."

É significativo aquele "provavelmente". Dawkins não sabe que Deus não existe e, por isso, escreve: "Provavelmente." A existência de Deus não é objecto de saber de ciência, à maneira das matemáticas ou das ciências verificáveis experimentalmente. Nisso, Kant viu bem: ninguém pode gloriar-se de saber que Deus existe e que haverá uma vida futura; se alguém o souber, "esse é o homem que há muito procuro, porque todo o saber é comunicável e eu poderia participar nele".

Afinal, também há razões para não crer, mas, quando se pensa na contingência do mundo, no dinamismo da esperança em conexão com a moral e na exigência de sentido último, não se pode negar que é razoável acreditar no Deus pessoal, criador e salvador, que dá sentido final a todas as coisas. Numa e noutra posição - crente e não crente -, entra sempre também algo de opcional.

Mas, nos cartazes, o mais impressionante é a segunda parte: "Deixe de preocupar-se e desfrute a vida." É claro que o que está subjacente a esta conclusão é a ideia de um Deus invejoso da vida e da alegria dos homens e das mulheres.

Se a primeira parte obriga os crentes a pensar, retirando da fé tudo o que de ridículo - pense-se em todas as superstições - lhe tem andado colado, a segunda tem de levá-los a "evangelizar" Deus. É preciso, de facto, reconhecer que houve e há muitos a quem "Deus" tolheu a vida, de tal modo que teria sido preferível nunca terem ouvido falar no seu nome - pense-se no horror do inferno, nas guerras e ódios em seu nome, no envenenamento da sexualidade, na estreiteza e humilhação a que ficaram sujeitos.

Agora que está aí o Natal, é ocasião para meditar no Deus que manifesta a sua benevolência e magnanimidade criadoras no rosto de uma criança. Jesus não veio senão revelar que Deus é amor, favorável a todos os homens e mulheres e querendo a sua realização plena. Perante um "deus" que os humilhasse e escravizasse, só haveria uma atitude digna: ser ateu.'

Pe Anselmo Borges

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